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Coleção de livros reúne pesquisas de docentes e alunos de Ciências da Terra

Implantação de geoparques, proteção de aquífero e geoconservação, entre outros temas, são abordadas nas obras



| TEXTO LUIZ SUGIMOTO | FOTOS ANTONIO SCARPINETTI | EDIÇÃO DE IMAGEM LUIS PAULO SILVA

 

Espera-se que até 2020 a Unesco (sigla para Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) conceda sua chancela para o Geoparque da bacia do rio Corumbataí, que engloba oito municípios paulistas: Analândia, Charqueada, Corumbataí, Piracicaba, Itirapina, Ipeúna, Santa Gertrudes e Rio Claro, que estão se capacitando para sua criação. A implantação do Geoparque Corumbataí, o único no mundo delimitado por uma bacia hidrográfica, representaria grande passo para a conservação do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural da região, bem como para atrair visitantes e dinamizar a economia das comunidades locais. A expectativa é de professores e alunos do programa de pós-graduação Ensino e História de Ciências da Terra, do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp.

O Geoparque Corumbataí é tema de um dos quatro livros da coleção que tem o mesmo nome do programa do IG, numa primeira iniciativa para tornar público as atividades do grupo de pesquisa, que ocorre em interface com outras universidades como USP, Unesp e UFRJ, prefeituras e órgãos ligados a questões da terra, além da comunidade envolvida.

Os outros três volumes abordam trabalhos que podem levar à implantação de outro geoparque, o Ciclo do Ouro, em Guarulhos; a proteção das águas subterrâneas do aquífero Guarani; e a formação continuada de professores, educação e aprendizagem social sobre geoconservação e sustentabilidade. A coleção foi lançada em evento no dia 14 de agosto. 

 

O professor Pedro Wagner Gonçalves, coordenador do programa: “A reunião de muitas pessoas acabou gerando uma série de iniciativas de divulgação do conhecimento geológico”

 

“Atualmente, as atividades centrais do nosso programa de pós-graduação estão relacionadas com o ensino de geociências, currículos e programas, formação de professores e história da ciência, havendo também uma preocupação com a divulgação científica e o envolvimento com a comunidade”, explica o professor Pedro Wagner Gonçalves, coordenador do programa. “Dentro da perspectiva de difusão do conhecimento das questões da terra – climatologia, geologia, geociências de modo geral – é que lançamos esta coleção que fará parte de uma série de livros.”

A mestranda Nathalie Cristine Gallo ajudou na organização do volume 3, Geoparque Corumbataí: Primeiros passos de um projeto de desenvolvimento regional, juntamente com as professoras Luciana Cordeiro de Souza-Fernandes, da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA/Unicamp), e Mariselma Ferreira Zaine, da Unesp – a primeira pesquisadora a catalogar e elaborar o mapa do Geoparque em 1996, o qual subsidiou todo o trabalho que está sendo desenvolvido na Bacia –, e o mestrando da Unesp André de Andrade Kolya. “Geoparque é um território que possui vários pontos de visitação denominados geossítios. São grutas, cavernas, quedas d’água, afloramentos, e onde a comunidade, paralelamente, desenvolve a parte turística, empreendendo com pousadas, lojas e restaurantes. E a cultura e a história local são preservadas”, explica Nathalie.

Segundo Pedro Gonçalves, o conceito de “geoparques globais” da Unesco foi formulado há cerca de duas décadas, no Congresso Internacional de Geologia realizado em Paris, com o objetivo de valorizar esses territórios, dinamizar as economias locais e, ao mesmo tempo, adotar uma série de cuidados com a preservação ambiental. “A proposta de um geoparque é diferente de uma unidade de conservação: é de ao mesmo tempo promover a exploração econômica da região, sem as restrições de uso de uma unidade de conservação. A expectativa é de apresentar a proposta à Unesco até 2020.”

Desde o evento em Paris, acrescenta o professor do IG, a iniciativa foi se multiplicando pelo mundo. “Hoje, Portugal possui quatro geoparques (Arouca, Naturtejo, Terra dos Cavaleiros e Açoures) e a China, 29. Já no Brasil, surpreendentemente, pela dimensão do território e por tudo que existe para valorizar, foi criado apenas um geoparque, o Araripe, no Ceará. No caso específico do Corumbataí, colegas da Unesp já têm feito estudos sistemáticos e implantado uma base de informação geológica, paleontológica, arqueológica. Há locais de valor paleontológico relativamente único, como fósseis de peixes do Corumbataí encontrados em poucos lugares do mundo.”

 

A mestranda Nathalie Cristine Gallo: “Já desenvolvemos jogos educativos e, com o tempo, visitaremos as escolas da rede”

 

Nathalie Gallo informa que, no estágio atual, os pesquisadores estão produzindo artigos, participando de reuniões e promovendo reuniões, denominadas de Caravana Geoparque, e que foi criado o Grupo de Trabalho do Projeto Geoparque Corumbataí, liderado pelos professores orientadores de mestrandos, doutorandos, alunos de iniciação cientifica e bolsistas SAE (Serviço de Apoio ao Estudante) da Unicamp, num esforço para divulgar a iniciativa. “O GT possui um grupo do CNPq, chamado Aquageo Ambiente Legal, voltado a esta pesquisa. Visamos uma parceria com cada prefeitura e com as comunidades para inventariar os pontos de visitação. É imprescindível o sentimento de pertencimento da população local, de viver, empreender e fazer parte do Geoparque, num resgate emocional para construção de uma cidadania ambiental. Outro aspecto importante é direcionar tudo isso para a educação qualificada ambiental: já desenvolvemos jogos educativos e, com o tempo, visitaremos as escolas da rede.”


Aquífero Guarani

Valter Gonçalves é um dos organizadores do volume 2, Programa Aquífero Guarani: Unindo água subterrânea e história da Terra à consciência ambiental, que descreve a concepção, as estratégias e as ações recentes para difundir o conhecimento científico e jurídico e apoiar ações que eliminem ameaças de contaminação e superexploração do que os geólogos chamam de formações Botucatu e Piramboia. O programa compreende palestras, debates, documentos, folders e placas, bem como um trailer itinerante que percorre praças públicas e escolas, exibindo peças de teatro, exposição e oficinas, sugerindo uma reflexão sobre a geoconservação do aquífero.

“A reunião de muitas pessoas acabou gerando uma série de iniciativas de divulgação do conhecimento geológico e, sobretudo, para a preservação do aquífero Guarani, que tem uma influência enorme no interior de São Paulo, com municípios totalmente abastecidos por suas águas, como Ribeirão Preto, e outros parcialmente abastecidos, como Botucatu, São Carlos e Araraquara”, observa Pedro Gonçalves. “Queremos chamar atenção para os cuidados ambientais que devemos ter para manter a qualidade e a quantidade de água produzida pelo aquífero.”

Para o coordenador do programa, o livro traz particularidades da histórica geológica da região, que é de dezenas de milhões de anos, criando condições extremamente favoráveis ao reunir rochas que hoje podem acumular quantidade significativa de água. “O nosso aquífero, por suas características e dimensões, é praticamente único no mundo. Qualquer rocha pode produzir água, mas se um poço na Unicamp produz 10 mil litros em dez horas, um poço no aquífero produz até treze vezes mais e no mesmo tempo. É uma rocha muito mais favorável para produção de água, e isso é o que vem interessando a grandes empresas.”

Gonçalves refere-se às notícias sobre uma possível privatização do aquífero, o que foi tema do 8º Simpósio Nacional de Ensino e História de Ciências da Terra, realizado na Unicamp em paralelo com a 8ª Conferência Internacional de Educação em Geociências, de 22 a 27 de julho último. “A privatização da água subterrânea está muito relacionada com um projeto proposto pelo senador Tasso Jereissati, que tem interesse na questão (possui o direito de produção da Coca-Cola no Ceará). O projeto modifica a regra de outorga para a exploração.”

O professor do IG afirma que, para um cidadão perfurar um poço, é preciso a outorga concedida por um órgão estadual: no caso de São Paulo, o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), sob normas técnicas, ambientais e de qualidade da água. “Dada a outorga, há pouco acompanhamento: a pessoa pode ceder água para o vizinho ou engarrafar e vender. Ocorre que, pela legislação atual, o cidadão não pode vender a outorga. Com o projeto de Jereissati este comércio da outorga se tornaria possível, abrindo um espaço enorme para empresas grandes consumidoras de água, como de cerveja, refrigerante ou de água engarrafada.”

De acordo com a professora Luciana Cordeiro, o PL citado quer criar o mercado da água, denominação simpática para a privatização, o que é inconstitucional, uma vez que a água é um bem de uso comum do povo, ou seja, um bem difuso. Sobre o livro, a professora da Unicamp acrescenta que conhecer o aquífero Guarani e suas áreas de recarga, auxiliará os munícipios no momento do planejar o uso e ordenamento do solo.

Além de Valter Gonçalves e Luciana Cordeiro, o livro sobre o aquífero Guarani tem como organizadores Celso Dal Ré Carneiro e Sueli Yoshinaga Pereira, ambos professores do IG/Unicamp; Didier Gastmans, Andrea Bartorelli e Joseli Maria Piranha, todos professores da Unesp; Luiz Eduardo Anelli, professor da USP; o professor Virginio Mantesso-Neto, geólogo e historiador; e Renata Christina Vilela e Berenice Balsalobre, alunas do programa de pós-graduação do IG.

 

Mapa ilustrativo do Geoparque Corumbataí

 

Ciclo do Ouro

Organizado por Vânia Maria Nunes dos Santos, professora da pós-graduação do IG, e por Pedro Roberto Jacobi, professor da USP, o volume 4, Educação, Ambiente e Aprendizagem Social: Reflexões e possibilidades à geoconservação e sustentabilidade, retrata outro movimento para criação de um geoparque, o Ciclo do Ouro, ao norte do aeroporto de Cumbica, em Guarulhos. “É a região das Lavras de Ouro, onde praticamente começou a mineração pelo menos na América Portuguesa, e que também oferece interesse geológico, cultural e de preservação de pontos de abastecimento de água. Foi por sugestão de Vânia dos Santos, que tinha um livro pronto sobre o geoparque das Lavras, que veio a ideia desta série”, recorda o coordenador do programa.

O livro, acrescenta Gonçalves, analisa as relações entre educação, ambiente e aprendizagem social promovidas com a formação de professores. “No projeto geoparque Ciclo do Ouro também é promovida uma série de iniciativas geoeducativas partilhadas entre professores e alunos do nosso programa; colegas da USP, da UFRJ, do Instituto Geológico e de Portugal; professores da rede básica; e órgãos e técnicos da Prefeitura de Guarulhos. Todos perseguem a ideia de criação de um geoparque na região.”


Ribeirão Preto

Inversamente, Pedro Wagner Gonçalves finaliza comentando o primeiro volume, que organizou com Natalina Aparecida Laguna Sicca, professora do Centro Universitário Moura Lacerda: Entrelaçando saberes a partir da Ciência do Sistema Terra: Formação Continuada de Professores por meio de pesquisa colaborativa. “O livro trata a região de Ribeirão Preto como local de pesquisa e ensino, envolvendo pessoas das universidades, escolas e órgãos públicos e privados com questões relacionadas aos estudos da Terra. Além do próprio aquífero Guarani, outros aspectos estão incorporados à cidade, como de enchentes e matas urbanas até aspectos históricos: ali funcionou uma das 20 siderúrgicas do Brasil na década de 1920, sendo que as ruínas devem ser valorizadas enquanto patrimônio histórico, ao mesmo tempo em que professores de geografia, história, química e geologia se articulam para estudar, por exemplo, como o ferro se formou na região e como era explorado.”