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Resolução do MEC sobre a extensão universitária traz desafios e requer novas estratégias

Norma reforçou a inclusão da extensão como parte obrigatória da graduação e pós-graduação



Por Priscila Ferreira

Norma reforçou a inclusão da extensão como parte obrigatória da graduação e pós-graduação para assegurar que projetos sejam orientados, prioritariamente, para áreas de grande pertinência social

Três pilares dão base a uma universidade no Brasil: ensino, pesquisa e extensão. A extensão começou a se desenvolver no Brasil na década de 1930, com a participação do movimento estudantil, do governo federal – representado pelo MEC – e de outros setores da sociedade civil. Segundo a Política Nacional de Extensão Universitária, de 2012, “a extensão universitária é um processo interdisciplinar, educativo, cultural, científico e político que promove a interação transformadora entre universidade e outros setores da sociedade”.

O Ministério da Educação (MEC) incluiu uma resolução em 2018 nas diretrizes do ensino superior que reforçou a inclusão da extensão como parte obrigatória da graduação e pós-graduação – ainda que o Plano Nacional de Educação de 2014 já contivesse essa determinação. A resolução preconiza que, no mínimo, 10% do total de créditos curriculares exigidos para a graduação estejam em programas e projetos de extensão, orientados, prioritariamente, para áreas de grande pertinência social.

A proposta do MEC é que essa curricularização aumente a valorização dessa terceira missão universitária – uma vez que atualmente alunos e professores não recebem sequer pontuação por participar desses programas.

O fato é que as universidades precisam não só ampliar seus projetos de extensão como monitorar se aqueles vigentes estão sendo efetivos. Um dos parâmetros para isso está no Manual de Valência, publicado em 2017 após quase 10 anos de debates sobre como criar um conjunto de indicadores para medir o grau e a eficiência da vinculação da universidade com seu entorno socioeconômico. Desde 2014 foi feita a aplicação do piloto em 6 universidades ibero-americanas, incluindo a Unicamp.

Manual de Valência e as diretrizes para avaliação da extensão

“A contribuição do Manual é no sentido de oferecer diretrizes para avaliação das atividades de vinculação, ou terceira missão, que são um pouco mais amplas que a extensão. É um roteiro que traz questões sobre a instituição – estrutura física, a população universitária (docentes, alunos, funcionários), orçamento, institutos e/ou faculdades, trajetória histórica; um conjunto de questões relacionadas às capacidades de vinculação, como produção científica, gestão de propriedade intelectual e as ações em si, em programas e projetos de extensão. Essa avaliação é sempre importante para o estabelecimento de novas metas e ações estratégicas das universidades”, explica a pesquisadora do Labjor Simone Pallone de Figueiredo, que coordena o projeto na Unicamp.

O Manual também serve para uniformizar as informações nas universidades de diferentes países, favorecendo a comparação entre elas.

Nesse processo de alinhar as atividades dos seus institutos com a determinação da curricularização, a Unicamp criou um grupo de estudos sobre o tema. “Começamos uma série de reuniões com coordenadores de extensão e de graduação para discutir a diretriz. Estamos realizando benchmarking nacional e internacional a respeito das estratégias e práticas de curricularização”, explica a assessora da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (Proec), Muriel Gavira.

A Unicamp possui também o projeto Extensão 48, para divulgar as ações que desenvolve na integração entre pesquisa, ensino e extensão. A proposta é gravar depoimentos, imagens, áudios, coletar informações e fotos para divulgar 48 projetos de extensão. Além disso, a universidade tem grupos de estudos sobre extensão e realiza seminários para refletir sobre o funcionamento dessa terceira missão. “Queremos uma articulação indissociável, ou seja, não separar. É estar na sala de aula da graduação e da pós-graduação pensando o diálogo com a comunidade, produzindo saberes que estão em diálogo com essa comunidade e, ao mesmo tempo, levando as nossas pesquisas”, expôs a professora Inês Ferreira de Souza Bragança, da Faculdade de Educação, durante o seminário “Extensão e cultura – experiências de integração extensão+ensino”.

Os reflexos da curricularização já são vistos, também, na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), como explica o professor Adilson de Oliveira. “Começamos a realizar a reformulação curricular de vários cursos. Contudo, muito antes dessa nova exigência do MEC, a UFSCar já havia criado uma modalidade de disciplina/extensão chamada de Aciepe – atividade curricular de integração de ensino, pesquisa e extensão – na qual os professores realizam atividades integradoras, voltadas à formação de alunos em práticas extensionistas.

Adilson Oliveira, que já foi vice-reitor da UFScar, explica sobre um exemplo, na própria UFSCar, de plena integração entre universidade e sociedade, que é o curso de gerontologia. “Foi implantado na UFSCar durante o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), e surgiu de um projeto de extensão universitária dos docentes do Departamento de Enfermagem. Implementamos o curso de mestrado nessa área, ampliando a formação e a pesquisa nessa temática.

“A inserção de atividades de extensão nos cursos de graduação amplia as possibilidades de formação dos estudantes e também faz com que os docentes modifiquem a sua forma de fazer acadêmico, percebendo que sempre temos que ter um compromisso de nosso trabalho com a sociedade”, conclui Adilson Oliveira.

Comparações com o exterior

A pesquisadora Ana Maria Gimenez, da Unicamp, debruçou-se em sua tese de doutorado sobre a questão da extensão em universidades fora do Brasil. Ela aponta que não é comum na Europa a utilização do termo “extensão”, embora ele tenha surgido em Oxford, por volta de 1845. O mais comum, aponta, é usar “terceira missão”, que, segundo a Comissão Europeia, comporta as seguintes dimensões: transferência de tecnologia e inovação, educação continuada e compromisso social.

“Na Universidade de Manchester o terceiro papel/missão/função da universidade é chamada de ‘responsabilidade social’ e permeia todas as áreas: ensino, pesquisa, relações com a sociedade, assuntos administrativos, contratações, finanças etc. É o termo que descreve a obrigação de servir à sociedade; como fazer a diferença para o bem-estar social e ambiental das comunidades através do ensino, pesquisa e eventos e atividades públicas. Manchester se orgulha de ser a primeira universidade do Reino Unido a incluir a responsabilidade social entre os seus objetivos estratégicos”, expõe Gimenez.

Gimenez explica que essa missão se materializa de diferentes formas. “Fomentando o voluntariado, proporcionando a abertura da universidade, premiando ações de funcionários, docentes, alunos e ex-alunos que impactaram a sociedade, ou de empreendedorismos que resolvam problemas ou impactem positivamente a sociedade”, diz. A universidade também mantém uma espécie de “agência de empregos” que fornece qualificação profissional, treinamentos, educação continuada para adultos, oportunidades de emprego e aconselhamento a moradores da cidade de Manchester. No blog Make a Difference, pessoas ligadas à universidade podem divulgar como estão fazendo a diferença na sociedade.

Em comparação com os Estados Unidos, a pesquisadora destaca a Universidade de Wisconsin. “A extensão tem um conceito bem amplo, envolve negócios e empreendedorismo, extensão cooperativa, educação continuada, entre outros. Creio que seja a universidade norte-americana com um dos entendimentos mais abrangentes de extensão. A Wisconsin Idea é baseada na ideia de que a educação deve influenciar a vida das pessoas para além dos muros da universidade. Este pensamento é muito influente nos EUA”, diz.

“No Brasil, alguns membros da academia entendem que a universidade tem sido forçada a preencher lacunas do Estado. Sendo assim, alguns relacionamentos com a comunidade são quase vistos como um fardo. O que percebi é que fora do Brasil o desenvolvimento e amparo das comunidades são vistos como uma obrigação das instituições mantidas com recursos públicos, quase um dever moral. Na Johns Hopkins, por exemplo, que é uma universidade privada, parte-se do princípio de que a saúde e o bem-estar do campus estão “inextricavelmente ligados ao bem-estar e a saúde física, social e econômica da vizinhança”, compara Gimenez.

 

Priscila Ferreira é formada em jornalismo pela Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e pesquisa mídia e linguagem. Atualmente, é mestranda em divulgação científica e cultural no Labjor/Unicamp.

 

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